RALLYES

Ontem, ao ler o site do autosport.pt deparei-me com um excelente artigo sobre os rallyes....transcrevo em baixo o referido artigo....



"Rali Sprint ou 'endurance' no WRC?


Espetáculos de velocidade ou provas de resistência para pilotos e máquinas? Eis o grande dilema do momento no WRC. De longas e exigentes aventuras, os ralis transformaram-se nas últimas décadas em "corridas" de fim de semana, sendo essa a forma encontrada para compensar a escalada dos custos e facilitar o retorno mediático. Com a chegada de Jean Todt, a FIA parece disposta a inspirar-se nas grandes maratonas de outros tempos. Será um regresso aos anos de glória dos ralis, ou apenas um sonho com custos incomportáveis?

Por Nuno Branco


Perante uma imensidão de gente a aplaudir, o Talbot Sunbeam Lotus de Grupo 2, subia com visíveis sinais de cansaço, a rampa que assinalava a "llegada" da edição de 1981 do Rali da Argentina. Do carro número 2, saíam o piloto, Guy Frequelin, ainda com o fato de competição, e o seu navegador, envergando calças à boca de sino, Jean Todt de seu nome. Era o final de uma desgastante batalha com os pilotos da Datsun, Salonen e Mehta, travada durante cinco dias e ao longo de quase quatro mil quilómetros de caminhos esculpidos nas montanhas dos Andes. 14 horas e 22 minutos foi quanto a dupla de gauleses precisou para percorrer mais de mil e trezentos quilómetros de troços cronometrados, deixando o Violet de Shekhar e Yvonne Mehta a 38 minutos...

Jean Todt continua hoje a fazer dos automóveis a sua vida, e depois de uma bem sucedida carreira como diretor desportivo na Peugeot e na Ferrari, ocupa o cargo de presidente da FIA. Da sua cadeira, na praça da Concórdia em Paris, Todt abraçou a missão de olhar o presente e desenhar o futuro do desporto automóvel e, trinta anos passados sobre a vitória no país das Pampas, o pequeno francês parece inconformado com o rumo que a modalidade tomou de então para cá. Os ralis evoluíram dramaticamente, transformando-se em provas de "sprint", menos extensos, disputados num fim de semana, tornando-se para os pilotos num emprego das 9 às 5.

Longe vão os tempos das longas provas de resistência, corridas em vários dias e noites, onde os concorrentes visitavam os locais mais inóspitos, preocupando-se em andar depressa, mas sobretudo, em gerir o seu esforço e o do carro, de modo a assegurar que chegavam ao fim.

As provas de estrada continuam ainda a suscitar o entusiasmo do público e dos media, mas perderam nos últimos anos, muita da essência que fazia de um rali, uma autêntica aventura, em que piloto e navegador partiam para cada classificativa, entregues a si mesmos, temendo as armadilhas que os esperavam.


Uma maratona chamada "Safari"


O rali Safari é uma espécie de montra dos ralis à moda antiga e a grande referência dos "ralis-maratona". Embora estivesse sempre associada ao Quénia, a verdade é que, durante vários anos, a prova africana foi mais abrangente, visitando países vizinhos como a Tanzânia e o Uganda. Durante cinco dias, os pilotos partiam de Nairobi, enfrentando mais de cinco mil quilómetros, em caminhos de terra abertos ao trânsito local. Os carros eram especialmente preparados, com suspensões elevadas, respiração extra para a travessia dos rios, maior capacidade para combustível e proteção reforçada, incluindo barras frontais para prevenir danos irreparáveis em caso de atropelamento de animais. Na nossa memória, permanecerão as imagens dos concorrentes desafiando os perigos da savana, com o monte Kilimanjaro em fundo e perante o olhar atento dos Masai. Do manancial de histórias memoráveis que ilustram a aventura que representava a participação no Safari, há um conhecido episódio ocorrido numa das edições do final da década de 80, quando o piloto local Vic Preston Jr. foi obrigado a parar durante a noite, a meio de um setor cronometrado. A assistência chegou pouco depois, dedicando-se durante algumas horas a reparar o Nissan 200 SX. Quando os primeiros raios de claridade apareceram no horizonte, foi com enorme "surpresa" que os mecânicos constataram que, a seu lado, dormia tranquilamente uma alcateia de leões...

O Safari deixou o WRC em 2002, quando a organização enfrentou sérios problemas financeiros, mas a verdade é que, mesmo sofrendo evoluções - nos últimos anos, já contava apenas com 2000 quilómetros de extensão - dificilmente a prova resistiria ao figurino atual do campeonato.

Dez anos antes, também a Costa do Marfim dizia adeus ao Mundial de Ralis. Integrando a competição desde 1978, o rali tinha uma extensão semelhante à do Safari, mas era possível detetar diferenças na atmosfera envolvente. Máquinas e pilotos eram postos à prova em longos setores cronometrados, percorrendo infindáveis retas desenhadas na densa vegetação. De Abidjan a Yamoussoukro, a prova atravessava inúmeras aldeias, para grande alegria das crianças que recebiam com entusiasmo o colorido da caravana do rali.

Marrocos foi outro dos destinos africanos do Mundial, integrando o calendário logo no ano da criação do campeonato, em 1973. Os concorrentes tinham pela frente um traçado bem ao estilo de uma prova de Todo Terreno dos nossos dias. Cinco mil quilómetros de paisagens áridas, dos quais mais de mil contra o relógio, tornavam esta maratona numa das mais difíceis provas de resistência da época. Em 1976, ano da última visita do WRC a estas paragens, um dos setores cronometrados tinha nada menos que 776 quilómetros, necessitando o mais rápido, Simo Lampinen , em Peugeot 504, de mais de 9 horas para o percorrer!

O mais longo

As provas que ainda integram o Campeonato do Mundo foram, também elas, alvo de radicais transformações. O Rali da Nova Zelândia é disso exemplo. No ano de estreia, em 1977, totalizava mais de dois mil quilómetros de classificativas e quase outro tanto de ligações. Fulvio Bacchelli, demorou mais de 24 horas a percorrer as 74 Provas de Classificação, levando o Fiat 131 Abarth à vitória depois de um animado duelo com Ari Vatanen, em Ford Escort RS. Este foi, até hoje, o rali com maior duração e dificilmente este máximo será batido no futuro. Em 2010, o vencedor Jari-Matti Latvala não precisou mais do que quatro horas para cumprir os 396 quilómetros distribuídos ao longo de apenas 21 troços cronometrados.

Atualmente, o Rali da Acrópole desenrola-se à volta de Loutraki, e os pilotos medem forças em apenas 348 quilómetros, sensivelmente metade daqueles que compunham o evento nas décadas de 70 e 80. Após a partida em Atenas, os concorrentes dirigiam-se para norte, enfrentando a dureza de um autêntico Safari europeu. Já na região de Kalambaka, percorria-se a classificativa "Meteora", uma das mais fotogénicas do álbum de memórias dos ralis, com os seus mosteiros construídos em cima de colossais rochedos. Depois de rumar novamente a Sul, um navio transportava os sobreviventes de volta para Atenas onde os aguardava a merecida consagração.


A grande mudança


A evolução é um dos paradigmas da humanidade e os ralis não fogem a este princípio, tendo sido alvo de importantes transformações a partir do final dos anos 80. Já nos anos 90, com a chegada de um novo promotor, a ISC, a modalidade conheceu as mudanças mais radicais da sua história. Cada prova passou a durar apenas 3 dias, com aproximadamente 300 quilómetros cronometrados divididos em menos de uma dezena de classificativas que se disputam duas vezes. E a meio da tarde, já as equipas estão de volta ao único parque de assistência do rali, dando por terminada a jornada. Foi esta a fórmula encontrada para minimizar os custos logísticos, contrapondo assim com os avultados investimentos das equipas no desenvolvimento tecnológico dos seus carros. Ao mesmo tempo, a desejada cobertura televisiva sairia facilitada.

Talvez não existissem grandes alternativas para garantir a vitalidade deste desporto e atrair os construtores, mas é inegável que os ralis alienaram muita da sua alma. Perdeu-se a vertente da descoberta e do desafio que constituía cada etapa do WRC. Jean Todt percebeu isso mesmo e, com a ajuda de Michéle Mouton, parece estar disposto liberalizar as regras, de modo a recuperar a essência dos ralis e com isso, um maior mediatismo e entusiasmo dos espectadores.

O regresso das provas com piso misto, a inclusão do Monte Carlo no calendário de 2012, com visita obrigatória às regiões míticas da prova, e os planos dos organizadores argentinos para a criação de um longo rali com seis dias, parecem ir de encontro aos desejos do presidente da FIA, mas é fundamental esperar pela posição dos construtores perante a perspetiva de ver os seus custos dispararem dramaticamente.

Tudo dependerá da cobertura televisiva que a North One proporcionar, mas considerando que dificilmente chegará aos níveis do IRC, anteveem-se reações por parte das marcas envolvidas. Sem dúvida que o Monte Carlo trará mais publicidade ao Mundial, mas sem a cobertura a que estamos habituados a ver no Eurosport, dificilmente compensará a avultada fatura que as equipas pagarão para percorrer o Burzet ou o Turini.

Para já, apenas se sabe que Ford e Citroen ficaram, no mínimo, apreensivas, quando foi anunciada a estrutura do Rali da Grã-Bretanha deste ano, percorrendo todo o País de Gales. Que impacto sofrerão os orçamentos das equipas, se este conceito se generalizar? Os seus carros, construídos com base num perfil de provas mais compacto, estarão preparados para eventos de maior extensão? O custo que advirá do cumprimento de longas ligações será mesmo necessário?

E se estas mesmas ligações forem feitas em transporte coletivo, a exemplo do que se passou este ano, no Rali de Portugal, entre o Algarve e Lisboa, não significará esta hipótese um inquietante acréscimo de dores de cabeça para equipas e organizadores? Para já, existe apenas um conjunto de questões sem resposta, sendo natural que corra ainda muita tinta até se vislumbrar que futuro nos reserva o WRC. Até lá, os apaixonados pelas provas de estrada não deixarão a sonhar com o regresso aos gloriosos anos em que os ralis eram acima de tudo uma prova de resistência para pilotos e navegadores, mecânicas e mecânicos e, no final, a coroa de louros promovia atletas a heróis...



A grande maratona

É considerada a rainha das maratonas até hoje disputadas. A Maratona Londres-México foi também designada "World Cup Rally", uma vez que fora organizada para ligar Londres, local da final do Mundial de Futebol de 1966, à Cidade do México, palco da final de 1970. Com o patrocínio do jornal britânico Daily Mirror, a prova partiu do estádio do Wembley, na capital inglesa, a 19 de Abril de 1970, percorrendo vários países da Europa central até chegar à Península Ibérica. Em Portugal, os concorrentes cumpriram um setor cronometrado em Arganil, rumando depois a Lisboa, onde embarcaram para o Rio de Janeiro. Já no outro lado do Atlântico, os sobreviventes tinham ainda pela frente longas etapas em países como Uruguai, Argentina, Chile, Bolívia, Peru, Colômbia, Panamá, Costa Rica e, finalmente, o México. No dia 27 de Maio, Hannu Mikkola e o seu navegador Gunnar Palm foram os primeiros a chegar ao Estádio Azteca, saboreando o champanhe em cima do capot do Ford Escort MKI, depois de cumpridos os 25 mil quilómetros do percurso!


O velho Rali de Portugal

Com a possibilidade de os ralis do WRC virem a ter um itinerário mais longo sem estar delimitado a um curto raio em redor de um Parque de Assistência, é natural que os mais saudosistas questionem se será esta a oportunidade que o ACP necessita para levar de novo o Rali de Portugal às terras e às gentes do norte do país. Não restam dúvidas que foram locais como Fafe, Cabreira, Arganil, Viseu ou Lousã que contribuíram para que Portugal conquistasse a fama e o reconhecimento da gente dos ralis, tendo recebido por seis vezes o título de melhor rali do mundo. No entanto, enquanto integrar o Campeonato do Mundo, será pouco provável que o seu figurino mude radicalmente.

O exigente caderno de encargos da FIA está a ser exemplarmente respondido pela equipa de Carlos Barbosa e Pedro de Almeida, e uma mudança significativa na estrutura da prova poderia por em causa o sucesso organizativo que é, neste momento, considerado uma referência no seio da Federação Internacional. A organização tem procurado levar o espetáculo a outras paragens, como o Porto Road Show em 2010 e a Super-Especial de Lisboa em 2011. Com base neste espírito, não seria de admirar que futuras edições viessem a integrar uma Super-Especial de abertura em algum dos locais míticos que marcaram a história do Rali. Se os ralis que atravessam mais do que um país, como é o caso do "Suécia/Noruega" ou o possível "Argentina/Uruguai/Brasil", for o caminho a seguir no futuro, então, aí sim, é possível que os ralis do Mundial sofram importantes alterações no seu traçado."







NUNO DINIS


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